sexta-feira, 19 de junho de 2009

Nunca lá chegarei, professor




- Nunca lá chegarei, professor.
- Que dizes?
- Nunca lá chegarei!
- Aonde queres ir?
- A lado nenhum! Não quero ir a lado nenhum!
- Então porque é que tens medo de lá não chegar?
- Não é o que eu quero dizer!
- Que queres dizer?
- Que nunca lá chegarei, é tudo!
- Escreve no quadro: nunca lá chegarei.
Nunca laxegarei.
- Enganaste-te. Esqueceste-te no advérbio de lugar "lá". Explicar-te-ei mais tarde os advérbios. E o verbo é o verbo chegar, com ch. Corrige.
- Está bem. Que indica esse "lá", na tua opinião?
-Não sei.
- Que significa?
- Não sei.
- Pois bem, temos mesmo de descobrir o que significa, porque é dele que tens medo, desse "lá".
- Não tenho medo.
- Não tens medo?
- Não.
- Não tens medo de não chegar lá?
- Não, estou-me nas tintas.
- Como?
- Não me interessa, não me importo!
- Não te importas de não chegar lá?
- Não me importo com isso, é tudo.
- E és capaz de escrever no quadro?
- O quê, que não me importo com isso?
- Sim.
Não me impor tucom isso.
- O que escreveste foi o verbo impor no infinitivo e não importar no presente.
Não me importo com isso.
- Bem, e esse "com isso", o que é precisamente esse "isso"?
- ...
- Esse "isso", o que é?
- Não sei... é tudo isso!
- Tudo isso o quê?
- Tudo o que me aborrece.
Passagem do livro: “Mágoas da escola” - Daniel Pennac